Atualmente Tubarão vive um momento político-administrativo um tanto peculiar, visto as renúncias do prefeito e do vice-prefeito e de nova eleição discutida na Câmara de Vereadores. A situação é realmente peculiar, só não é inédita, como temos ouvido por aí.
Investi algumas horas do final de semana para revisitar meus escritos e apurar algumas pesquisas para escrever este artigo, a fim de clarear os fatos ocorridos em um passado não muito distante, onde um prefeito de Tubarão já foi eleito pela Câmara Municipal.
ANOS 1940
No início dos anos 1940, nosso país vivia um período de incertezas políticas, com alguma esperança de volta à normalidade constitucional, apontada pelas eleições de 1945. O general Eurico Gaspar Dutra se elegeu presidente e foi empossado em 31 de janeiro de 1946, governando o país por decretos-lei, enquanto a nova constituição era preparada. A nova Carta Magna chegou em 18 de setembro de 1946, com a retomada da linha democrática e promulgada de forma legal.
Em Santa Catarina, o até então líder maior Nereu Ramos alcançava o Congresso Nacional e se transformava em vice-presidente da República. Os últimos dois interventores (Luís Galloti e Udo Deek) eram ligados ao PSD, mesmo partido de Aderbal Ramos da Silva, governador eleito em 1947.
Aqui no município, uma série de prefeitos nomeados foram responsáveis pela administração até então, e, antes da plenitude democrática com as eleições de 1947, ainda houve espaço para três mandatários nomeados, Antônio Silva (1946), Adriano Mosimann (1946/1947) e Walmor Otávio de Oliveira, o último nomeado, que administrou Tubarão de maio a dezembro de 1947. Estes últimos já ligados ao PSD, partido que comandava a cena política catarinense e nacional.
OS PREFEITOS ELEITOS
Em novembro de 1947 as eleições para prefeito voltaram a ser diretas e os pouco mais de 10 mil eleitores tubaronenses, naquele pleito, escolheram o advogado Francisco Carlos Régis, para administrar a cidade. Do PSD, Régis teve 80% dos votos e cumpriu mandato de dezembro de 1947 até janeiro de 1951. Em 1950, o presidente da Câmara Idalino Fretta assumiu a prefeitura no impedimento temporário do titular.
Na eleição de 1950 o PSD passou por uma prova de fogo e sucumbiu diante de uma forte aliança formada por UDN, PTB, PRP e PSP. A cidade tinha mais de 14 mil eleitores, pouco mais de 11 mil votaram e elegeram o médico Arnaldo Bittencourt, que teve 6.390 votos. O candidato derrotado do PSD foi Rui Cesar Feuerschuette. Arnaldo governou de fevereiro de 1951 a janeiro de 1956, sem nenhum interino assumindo.
Em 1955, em novas eleições municipais ocorridas em outubro, Tubarão possuía perto de 20 mil eleitores, que elegeram o industrial Waldemar Salles, com 7.661 votos. Em uma composição do PSD com o PTB, Waldemar derrotou Clodoaldo Althoff. Seu mandato iria de fevereiro de 1956 a janeiro de 1961, mas eleito deputado em 1958, renunciou ao cargo.
É aí que começa a primeira história de uma eleição indireta na Câmara Municipal em Tubarão.
1958 – ANO DA PRIMEIRA VEZ
A legislatura da Câmara Municipal de Tubarão 1955/1958 contava com os seguintes vereadores eleitos: Idalino Fretta, Antônio David Filetti, Luiz Nandi, Hercílio Zapelini, Waldemar Salles, Dilney Chaves Cabral, Clodoaldo A. Althoff, Manoel Alves dos Santos, José Diomário da Rosa, Manoel Cardoso de Aguiar, Hercílio Zabot, Edgar Caporal e Nelson Ghisi. Durante o mandato alguns suplentes assumiram, inclusive Manoel Brígido da Costa, no lugar de Waldemar Salles, eleito prefeito.
O vereador Edgar Caporal foi eleito presidente da Casa para os dois primeiros anos e o vereador Manoel Brígido da Costa, para os outros dois. No entanto, por problemas de saúde, Brígido ficou menos de um ano no cargo, voltando Edgar Caporal à presidência.
O prefeito Waldemar Salles, grande liderança do PSD naquela época, foi candidato a deputado estadual nas eleições de outubro de 1958. Foi eleito para a 4ª legislatura da Assembleia, com 6.850 votos.
No último mês da legislatura 1955/1958 da Câmara Municipal, em dezembro, que mudanças mais profundas ocorreram no Poder Legislativo e na política da cidade, como um todo. As movimentações vinham especialmente do PSD e do PTB, partidos que levaram Waldemar Salles à prefeitura.
UM DEZEMBRO INTENSO
Em 15 de dezembro o presidente licenciado Manoel Brígido da Costa renunciou ao mandato, tendo o vice-presidente que exercia o cargo, Edgar Caporal, tomado a mesma atitude. Assim, assumiram os vereadores Otacílio João de Sá e Osório Mendes, respectivamente. Neste dia houve nova eleição pra presidente da Câmara, sendo eleito Idalino Fretta presidente, com sete votos (três em branco e três abstenções). O vice-presidente eleito foi Nelson Ghisi. Na sessão seguinte, em 17 de dezembro, Otacílio João de Sá renunciou, assumindo no lugar Juventino Benedet.
As sessões da Câmara naquele mês de dezembro, mesmo sendo as últimas da legislatura e de alguns daqueles vereadores, seguiam acirradas, com embates constantes entre o grupo ligado ao governo (PSD e PTB) e a oposição (UDN e PSP). As pautas das sessões eram bastantes consistentes, com discussões sobre tabelamentos de preços de produtos no comércio local, aumento das passagens de ônibus, construção de prédios públicos, pontes, compras de equipamentos pelo governo municipal, etc. Mas as contendas mais comuns entre o líder do governo, Dilney Chaves Cabral, e o da oposição, Manoel Alves dos Santos, tinham como tema os trâmites legislativos e as matérias vindas do executivo, como regimes de urgência e aprovações relâmpagos do que interessava à prefeitura.
A ELEIÇÃO INUSITADA
A sessão que alterou definitivamente a política local ocorreu após as festas de Natal, no apagar das luzes do ano de 1958. A composição da Câmara Municipal na sessão de 29 de dezembro era assim: Idalino Fretta, Hercílio Zabot, Raul Zabot, Manoel Alves dos Santos, Hercílio Zappelini, Manoel Cardoso de Aguiar, Dilney Chaves Cabral, Antonio David Filet, Nelson Ghisi, Osório Mendes, Hercílio Luz Netto, Juventino Benedet e Luiz Nandi.
Na ordem do dia, sem nenhum aviso prévio ao Poder Legislativo, o vereador Dilney Chaves Cabral leu em plenário um pedido de renúncia do prefeito Waldemar Salles, em face da eleição para deputado estadual, ocorrida dois meses antes. Salles foi o segundo mais votado do PSD para a Assembleia e alegou precisar se dedicar exclusivamente à nova função.
Quando o plenário votou aceitando a renúncia, o líder do PSD, invocando o artigo 114, parágrafo 2º, da Constituição do Estado e o artigo 63 da Lei Orgânica dos Municípios (Lei 22, de 14/11/1947), solicitou ao presidente que fosse feita a imediata eleição de um novo prefeito.
O presidente Idalino Fretta, diante das argumentações legais apresentadas, acatou a solicitação, suspendendo a sessão por 10 minutos. A pausa não tinha como objetivo nenhum momento para discussão, nem apresentação de candidaturas, e sim, a confecção das cédulas de votação, conforme consta da ata da sessão.
O líder da UDN, Manoel Alves dos Santos, falando em nome também do representante do PSP, quis demover o presidente da decisão tomada e esticar o prazo para discutir a questão, alegando se tratar da escolha do novo administrador da cidade e exigiu pelo menos mais 24 horas para ser realizada a eleição. Com apartes de defesa e ataque à proposta, o plenário acabou por rejeitá-la e a eleição para escolha do novo prefeito foi marcada para dali 10 minutos. Os cinco vereadores da UDN e um do PSP: Hercílio Zabot, Raul Zabot, Manoel Alves dos Santos, Manoel Cardoso de Aguiar, Hercílio Luz Netto e Nelson Ghisi, deixaram o plenário.
Os seis vereadores do PSD e um do PTB: Idalino Fretta, Dilney Chaves Cabral, Antônio David Filet, Juventino Benedet, Luiz Nandi Hercílio Zappelini e Osório Mendes, sob a presidência de Idalino Fretta, participaram da votação - os dois últimos escrutinadores. Após duas votações, repetiu-se o resultado, tendo o senhor Durval Bez, recebido seis votos e o vereador Osório Mendes, um voto. O presidente proclamou Durval Bez eleito prefeito de Tubarão, para cumprir o restante do mandato do prefeito que renunciou, Waldemar Salles.
Dois dias depois, em sessão
extraordinária da Câmara Municipal, o cidadão Durval Bez foi empossado no
cargo, com a presença do ex-prefeito Waldemar Salles, vereadores, outras
autoridades e sem as presenças dos vereadores de oposição. Na mesma sessão, em
regime de urgência, foram aprovadas as contas do prefeito Waldemar Salles,
referentes ao ano de 1957.
O PREFEITO ELEITO
O prefeito eleito Durval Bez nasceu em Azambuja, Pedras Grandes, e tinha na época 42 anos. Filho de Samuel Bez e Matilde Scremin Bez. Casado com Elza Minato, filha de João Minatto e Rosalina Marcon. Era um líder comunitário, comerciante e exportador de madeira, e junto com seu pai, fundou a primeira indústria de fecularia do sul do Estado.
O novo prefeito, que obteve seis, dos sete votos possíveis na sessão da Câmara, não era vereador naquela gestão. Foi candidato nas eleições de 1955, pelo PSD, obtendo apenas 182 votos e não se elegendo vereador. Administrou o município completando a gestão 1956/1961, de 1º de janeiro de 1959 a 31 de janeiro de 1961.
Na gestão desapropriou terras para abertura de ruas; criou um “emblema” para o município, com características semelhantes ao desenho utilizado como brasão municipal, tendo, no entanto, alguns outros elementos; adquiriu veículos, especialmente caminhões, para a prefeitura.
Após o mandato tampão de Durval Bez, assumiu a prefeitura Dilney Chaves Cabral, eleito em outubro 1960, pela ARENA, com 6.323 votos. Cabral cumpriu mandato de fevereiro de 1961 a janeiro de 1966.
NÃO FOI A ÚNICA VEZ
Como vimos, não é a primeira vez que a Câmara Municipal, nos tempos modernos, irá conduzir uma eleição para prefeito. É claro que os tempos são outros, os atores também e, especialmente, as leis, bastante diferentes.
O que expus aqui tem por base o que já escrevi nos livros “Tubarão – Do grande cacique aos grandes líderes” (Prefeitura de Tubarão, Copiart, 2022) e “A Égua 2 – Histórias, personagens e expressões de Tubarão e região” (Tubarão, I Livro You, 2022), depois de mais umas visitas ao nosso Arquivo Histórico Amadio Vetoretti e umas folheadas nas atas da Câmara Municipal e jornais da época.
É claro que deve haver muitas questões que escaparam às atas e aos jornais da época. Que escaparam também à minha pesquisa. Situações que só os protagonistas daqueles momentos sabiam, fruto, talvez, de muitas conversas, negociações, tratativas, mudanças de rumo, mudanças de opinião, mudanças de voto. Assim como sempre é, quando os assuntos são política e administração pública.
A intenção é, mais uma vez, dar luz a fatos do nosso passado, a fim de que possamos, conhecendo-os, discuti-los, compreendê-los. Afinal, a história é feita de ciclos, os acontecimentos se repetem de tempos em tempos, e, neste exato momento, quem sabe, aquilo que as atas e os jornais de 1958 não contaram, pode acontecer novamente.
Almejamos agora poder contar!
Ramires Sartor Linhares
Escritor