Uma servidora pública da Prefeitura de Santa Rosa de Lima, no Sul do estado, ré em ação civil pública por ato de improbidade administrativa, teve R$ 100.934,72 em bens bloqueados. Atendendo a um pedido do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), o Poder Judiciário concedeu uma medida liminar para indisponibilidade de bens da suspeita, que exercia a função de contadora do Município. Ela é acusada de suposto desvio de verba pública, incluindo do Fundo Municipal de Saúde, com a qual teria até adquirido uma motocicleta. O objetivo da medida é garantir o ressarcimento aos cofres públicos e assegurar o futuro cumprimento da sentença em caso de condenação.
Foi apurado em um inquérito civil instaurado pela 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Braço do Norte que a investigada teria liderado um possível esquema ilegal para os desvios na Prefeitura, para proveito próprio.
A Promotora de Justiça Luísa Niencheski Calviera assegurou e o Judiciário entendeu que, além da gravidade das alegações e das fortes evidências de atos lesivos à administração pública, há prova robusta de que a ré estaria dilapidando o seu patrimônio, o que denotava a urgência para a concessão imediata da medida. Inclusive, ela teria informado em interrogatório não estar mais em posse do veículo.
A servidora pública segue afastada da administração municipal após um pedido cautelar do MPSC, também acatado pela Justiça em maio deste ano. A medida fez-se necessária tendo em vista que os relatórios e demais documentos demonstraram que a ré teria incorporado dinheiro público ao patrimônio pessoal ilegalmente. Ficou demonstrado, ainda, que havia risco de que as possíveis irregularidades prosseguiriam, causando prejuízos ao erário e à legalidade de licitações e de contratações públicas.
Aquisição de moto
O suposto esquema teria sido identificado após a aquisição, com R$ 13.250,00 em verba municipal, de uma motocicleta para uso pessoal da investigada. A dívida contraída pela ré com uma pessoa física teria sido parcelada em três pagamentos – de R$ 4.500,00, R$ 4.050,00 e R$ 4.700,00 -, todos feitos por meio de transferências bancárias da conta da Prefeitura Municipal ao vendedor do veículo.
Além disso, a ré também teria enriquecido ilicitamente com a quantia de R$ 46.647,07. Os valores teriam sido inicialmente transferidos da Prefeitura ao proprietário de uma empresa possivelmente “laranja”, o qual posteriormente encaminharia a quantia – descontado do valor do tributo – diretamente à conta bancária da acusada. Para isso, ela teria se aproveitado da confiança depositada, em razão de seu cargo público, para utilizar-se dos sistemas contábeis e lançar os pagamentos.
Com a ação civil pública, o MPSC pretende assegurar a restituição integral dos valores ilicitamente acrescidos ao patrimônio da investigada. O prejuízo que já teria sido identificado às contas públicas alcançaria a quantia de R$ 52.726,70. Com juros moratórios e atualização, a contar do ato, com a multa civil, chegaria a R$ 100.934,72.
Desde 2017
A emissão das notas fiscais teria se iniciado em 2017 e, desde então, os valores depositados na conta bancária da empresa pela Prefeitura seriam transferidos, na sequência, para a conta da investigada, permanecendo apenas o montante necessário ao pagamento dos impostos devidos pela atividade comercial. As provas demonstram que os desvios de dinheiro público teriam ocorrido de forma reiterada e contínua por mais de 50 vezes, desde 2017. Apura-se, ainda, no âmbito criminal, que a contadora teria falsificado uma assinatura de um documento em nome do proprietário da empresa.
Os serviços, em tese, prestados pela empresa à Secretaria Municipal de Saúde consistiam na atualização e alimentação de um sistema. Porém, eles nunca teriam sido prestados e ainda poderiam ser feitos por servidores do quadro próprio da Prefeitura. O suposto dono da empresa confessou em depoimento que nunca esteve no paço municipal e que não prestou qualquer tipo de serviço à municipalidade, muito menos referente à alimentação do sistema. Relatou que teria sido a servidora pública quem solicitou a emissão das notas fiscais para justificar ilicitamente o recebimento da contraprestação.
A Promotora de Justiça destaca que tais fatos não foram únicos ou ocasionais, mas que faziam parte do suposto esquema orquestrado pela contadora para satisfazer seu interesse pessoal. “Não há dúvidas de que a servidora pública engendrou e executou esquema ilegal para o desvio de verba pública. Além de violar o princípio da moralidade administrativa, a requerida, de forma reiterada e consecutiva, incorporou ao patrimônio particular valores pertencentes ao Município de Santa Rosa de Lima”, apontou a Promotora de Justiça, que requer a restituição dos bens acrescidos ilicitamente.
Ela lembra que o MPSC empregou esforços para que, durante o período iniciado em decorrência da pandemia de covid-19, as prestações pecuniárias de transações penais e acordos de não persecuções penais fossem encaminhadas diretamente aos Fundos Municipais da Saúde, sendo o Fundo Municipal de Saúde de Santa Rosa de Lima um dos beneficiados.
“No entanto, infelizmente, em vez de o Município ter direcionado valores para o incremento do sistema de saúde municipal, a servidora pública invariavelmente incorporou ao seu patrimônio parte de tais valores, utilizando, inclusive, para aquisição de uma motocicleta”, afirmou.
Outros envolvidos
Na mesma ação civil pública, o Prefeito e o proprietário da empresa também têm suas condutas apontadas como irregulares. No curso das diligências investigativas do MPSC, verificou-se que, desde 2017, o Prefeito procedeu a contratação da referida empresa ao arrepio dos ditames legais, sem qualquer procedimento licitatório e desprovido de formalização, mesmo durante os sucessivos e consecutivos cinco anos de suposta prestação de serviços. O contrato formal nem sequer teria existido e o vínculo permanecido ativo até dezembro de 2022.
A partir de 2017, a cada início de exercício, novos pagamentos foram efetuados em favor da empresa, como uma espécie de prorrogação do contrato, cujos aditivos de tempo, a exemplo do ato administrativo originário, também não existem formalmente.
A ação civil pública imputa o ato de improbidade administrativa ao próprio sócio proprietário, representante legal de pessoa jurídica “contratada” pelo poder público, que, enquanto pessoa física, prestou indispensável auxílio e concorrido para a prática do ato.