Na contramão de outros Estados e do Ministério da Justiça, Santa Catarina não conta com uma lista pública de criminosos mais procurados, estratégia de segurança adotada por Ceará, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, isso para citar apenas alguns exemplos.
Paralelo a isso, Santa Catarina tem hoje 575 foragidos – 25 estão com mandados de prisão abertos há pelo menos cinco anos, de acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
A lista de procurados é uma estratégia de segurança pública na qual população e forças de segurança cooperam para facilitar a captura de foragidos. Por meio de cartazes divulgados na imprensa e na internet, criminosos têm rosto e nome divulgados. Então, a população divulga anonimamente o paradeiro dos criminosos — em alguns casos, em troca de recompensa financeira.
ND+ solicitou à SSP-SC (Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina), por meio de LAI (Lei de Acesso a Informação), a lista dos criminosos mais procurados pelo Estado. A pasta retornou informando que não há. “Todas as pessoas com mandado de prisão ativo são igualmente procuradas”, informou o órgão.
Questionada pela reportagem, a SSP revelou que o assunto é avaliado pelo secretário Paulo Cezar Ramos de Oliveira. Enquanto a lista não é adotada, a pasta elencou outras estratégias para a prisão de foragidos, a exemplo da Delegacia de Capturas e monitoramento integrado de ações de inteligência. Sem um Disque-Denúncia específico para foragidos, como há no Rio Janeiro, por exemplo, o número 181 é a plataforma do Estado destinada a receber denúncias anônimas.
Há atualmente 575 criminosos de Santa Catarina que são considerados foragidos da Justiça, segundo dados do CNJ consultados na última sexta-feira (8). Se enquadram nesta categoria todos aqueles que, segundo a constituição, têm consciência do processo, mas dificultam o cumprimento.
O número de Santa Catarina representa 2,16% de todos os criminosos na mesma categoria em todo o Brasil, grupo formado hoje por 26.582 pessoas. De todos os 575 foragidos, 25 estão com mandados de prisão abertos há pelo menos cinco anos, sendo que três vivem há uma década com o adjetivo “foragido”.
Um deles é João Carlos Ramos, conhecido como “Jota”, que detém atualmente o mandado de prisão em aberto mais antigo de Santa Catarina – a ordem de captura foi proferida em maio de 2013 pela 7ª Vara Federal de Florianópolis. Ele ainda tem um segundo mandado de prisão, expedido em agosto de 2019.
O criminoso passou a ser investigado em 2012, apontado como um dos 17 integrantes de um esquema de tráfico internacional de drogas, concebido no interior de uma torcida organizada do Figueirense. Jota, segundo a Polícia Federal, era responsável por enviar entorpecentes para a Ilha de Santa Catarina.
A partir da Holanda, Jota adquiria drogas, garantia a hospedagem e as passagens para uma rede de jovens que agiam como “mulas”, que são transportadores de drogas dentro do corpo em viagens.
Segundo a Justiça Federal, era um sistema de trocas: as mulas levavam cocaína produzida no Brasil e traziam ecstasy e outras drogas que seriam comercializadas aqui.
A Operação Curió, nome dado à força-tarefa da Polícia Federal que desarticulou o esquema, começou a se aproximar das lideranças com a prisão de mulas em aeroportos nacionais e internacionais. De lá para cá todos os 16 investigados foram presos e condenados– menos Jota, cujo paradeiro é desconhecido.
A reportagem procurou o advogado Davi de Souza, que representou o réu no processo judicial, mas ele não retornou aos contatos. O espaço segue aberto.
Ainda quando era deputado estadual e filiado ao PSDB, em 2004, o atual governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), propôs a criação do “Cadastro Estadual de Foragidos” para facilitar o contato com quem quer indicar paradeiro de foragido.
O projeto previa a disponibilização de uma lista na internet, mantida e atualizada pelo órgão de segurança do Estado, com dados pessoais dos foragidos, como nome e retrato. A justificativa, na época, era alta de 16% nos homicídios registros no Estado, em comparação ao ano anterior.
“O Cadastro Estadual de Foragidos estabelecerá formas facilitadas de consulta e orientações aos interessados em indicar o paradeiro de algum foragido da justiça”, determinava o projeto.
“As indicações de paradeiro serão feitas mantendo-se a identidade do informante em sigilo, se assim for solicitado”.
Após receber parecer contrário da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), o projeto acabou arquivado em março de 2005. O então deputado João Henrique Blasi, relator na Comissão e hoje desembargador, entendeu que o projeto era inconstitucional, pois invadia a atribuição do Executivo, hoje comandado por Jorginho.
Segundo Renato Almeida, presidente do Instituto MovRio, organização social responsável por gerir o Portal Procurados e Disque Denúncia do Rio de Janeiro, a lista de procurados é uma estratégia de segurança efetiva. Ele pondera, por outro lado, que é necessário avaliar cada caso, o que requer cooperação da Polícia Civil.
“As delegacias precisam antes permitir a produção dos cartazes. Quando o mandado de prisão é cassado ou cumprido precisam informar para a remoção do material”, explica.
Almeida pontua ainda que há situações onde a divulgação compromete os trabalhos de investigação e captura – o cartaz pode alertar um foragido “desavisado” a ponto de ser capturado.
Tanto o Portal Procurados quanto o Disque Denúncia atuam coordenadamente, desde 1998.
Almeida acredita que a adoção dessa ferramenta torna eficiente a captura de foragidos como política de segurança. Ele explica que, em muitos estados, não há setor ou profissionais reservados para tratar as informações recebidas pelo 181. A lista procurados ou um setor específico para foragidos trataria qualquer informação recebida como uma pista importante para capturar criminosos.
“As vezes as secretarias só recebem e a denúncia fica no 181. É importante ter um setor específico”.
Outro fator importante é garantir o anonimato dos denunciantes. As ligações recebidas pelo Disque Denúncia não são gravadas e os denunciantes não se identificam, segundo Almeida. Foi através de denúncia anônima que Bruno Souza, autor do assassinato do ator catarinense Jeff Machado, foi preso no Rio de Janeiro. A prisão ocorreu dois dias após ele aparecer na lista do Disque Denúncia
De acordo com Almeida, mais de 20 mil criminosos foram capturados com o auxílio dos cartazes, divulgados em canal de televisão e em portal próprio. Os anúncios aparecem estáticos por cerca de dez segundos no meio da grade diária de programação. O efeito é quase que instantâneo. “Quando aparece na TV, o telefone já começa a ‘pipocar’. É imediato”.